- Introdução
A economia angolana enfrenta, nos últimos anos, uma conjuntura adversa caracterizada pela escassez de divisas, pela depreciação da moeda nacional e por restrições severas na utilização de instrumentos de pagamento internacionais. Dados do Banco Nacional de Angola (BNA) indicam que, no primeiro semestre de 2025, o gasto com cartões pré-pagos de marca internacional emitidos no país registou uma queda de 43% em relação ao período homólogo, refletindo o estrangulamento cambial e a diminuição da liquidez em moeda estrangeira. Paralelamente, o Kwanza depreciou 10% face ao euro e 8% face ao dólar entre junho de 2024 e junho de 2025, elevando o custo de transações e importações (Banco Nacional de Angola, 2025).
Este cenário, além de repercutir no consumo e nas operações internacionais, evidencia a urgência de um plano coordenado que combine estabilidade cambial, diversificação produtiva, inovação financeira e inserção estratégica de Angola nas cadeias globais de valor.
- Diagnóstico da situação actual
O actual quadro resulta de um conjunto de factores estruturais e conjunturais:
Dependência excessiva das exportações petrolíferas – responsável por mais de 90% das receitas cambiais, o que expõe o país a choques externos de preços.
Baixa diversificação produtiva e industrial – a ausência de cadeias produtivas robustas reduz a capacidade de substituição de importações.
Fragilidade no sistema cambial – com controlos administrativos que, embora necessários no curto prazo, comprimem a liquidez em moeda estrangeira e afectam a confiança dos agentes económicos.
Pressões inflacionistas e perda do poder de compra – que agravam a procura por divisas como reserva de valor.
A redução do uso de cartões internacionais, embora possa atenuar a saída imediata de divisas, não resolve o núcleo da crise, que é estrutural e de confiança.
- Propostas e iniciativas inovadoras
3.1. Reforma Cambial com Mecanismos de Mercado Regulados
Implementar um sistema de bandas cambiais ajustáveis, em que o Kwanza flutue dentro de limites predefinidos, permitindo ao BNA intervir para evitar volatilidade extrema. Este modelo, inspirado nas práticas de países como Botswana e Chile, preserva a previsibilidade e reduz expectativas especulativas.
3.2. Criação de uma Bolsa de Divisas para Exportadores Não Petrolíferos
Estabelecer uma plataforma eletrónica de negociação cambial exclusiva para exportadores agrícolas, mineiros e industriais, garantindo acesso direto a compradores internacionais e incentivando a diversificação das exportações.
3.3. Emissão de Títulos Cambiais Temáticos
O Estado, através do BNA e do Ministério das Finanças, poderia emitir Obrigações Cambiais Temáticas — lastreadas em projetos concretos de exportação (agroindústria, energias renováveis, mineração sustentável) — atraindo capital estrangeiro e permitindo aos investidores receberem parte dos retornos em moeda forte.
3.4. Aposta na Digitalização Financeira e Moedas Digitais de Banco Central (CBDC)
A criação de um Kwanza Digital para liquidação de transações internacionais regionais, em cooperação com países da SADC, reduziria a dependência do dólar nas trocas bilaterais, fortalecendo a integração económica regional.
3.5. Estímulo à Substituição Competitiva de Importações
Redução temporária de impostos para indústrias que produzam bens atualmente importados (fertilizantes, embalagens, produtos alimentares transformados).
Linhas de crédito bonificadas em moeda nacional para empresas com contratos de fornecimento doméstico substituindo importações.
3.6. Fundos Soberanos Setoriais
Reorientar parte das receitas do Fundo Soberano de Angola para um Fundo de Garantia Cambial Agroindustrial, mitigando riscos de financiamento de exportadores não petrolíferos e reforçando cadeias de valor internas.
- Benefícios esperados
A implementação integrada destas medidas permitirá:
Reduzir a pressão sobre as reservas internacionais e sobre o câmbio.
Diversificar as fontes de entrada de divisas.
Aumentar a resiliência da economia a choques externos.
Criar um ecossistema financeiro mais moderno e competitivo.
- Considerações finais
O cenário actual exige realismo, disciplina e inovação. O estrangulamento cambial é sintoma de uma fragilidade estrutural que só será superada com reformas consistentes e políticas coordenadas entre o BNA, o Ministério das Finanças e o sector privado. Angola dispõe de recursos naturais e capital humano capazes de sustentar um novo ciclo de crescimento — mas a transição para uma economia diversificada, tecnologicamente avançada e menos dependente do petróleo exige decisões firmes no presente.
Como sublinha Krugman (1999), “a crise é sempre um convite à criatividade económica” — e Angola, neste momento, é convocada a inovar, diversificar e construir a confiança interna e externa necessária para reverter a trajectória de instabilidade.
Referências Bibliográficas
Banco Nacional de Angola (2025). Boletim Estatístico do Sistema de Pagamentos.
Carvalho, H. (2025). Declarações ao Jornal Expansão, 6 de agosto de 2025.
Krugman, P. (1999). The Return of Depression Economics. W.W. Norton & Company.
Sachs, J. (2005). The End of Poverty: Economic Possibilities for Our Time. Penguin Press.
Tyilenga Tyokuehandja
(Economista)